sábado, 27 de julho de 2013

Violeiros repentistas - Os Mestres do Improviso

Desde Davi, através de seus salmos e Salomão com seu livro “Cânticos dos cânticos”, passando por Homero cantando as façanhas de Ulisses a arte dos trovadores se faz presente entre nós. Podemos citar ainda os trovadores de Provença, que levavam a alegria aos senhores feudais, enclausurados nos seus castelos de guerra. Enfim, foi Dom Dinis, maior monarca da dinastia dos Borgonha, que se proclamou discípulo dos provençais, em suas cantigas de amigo e amor. Todavia, ninguém melhor do que o poeta português Antônio Ferreira, falou de sua grandeza, quando disse:

“ Regeu, edificou, lavrou, venceu,
Honrou as musas, poetou e leu.”

Coube ao Brasil, o privilégio do aparecimento do legítimo “Cantador de Viola”, com o baiano Gregório de Matos Guerra, nascido no século XVII e primeiro doutor brasileiro. Seguido pelo padre Domingos Caldas Barbosa, que, também, improvisava ao som da viola.

A poesia, atravessando a fase colonial, veio alcançar seu apogeu, na pequena Paraíba, de Augusto dos Anjos e José Américo, pois quiseram as divindades do Olimpo que, naquele torrão, nascessem os maiores cantadores de que se tem notícia na história do folclore nacional. Merecendo as atenções dos conceituados mestres: Luís da Câmara Cascudo, Ariano Suassuna João Ribeiro, Silvio Romero, Constantino Nery Camelo, Raimundo Araújo, Veríssimo de Melo e Marcos Acioli, por que, ninguém melhor que o Cantador, pode sentir a variedade de quadros que o cotidiano nos apresenta.

O historiador, antropólogo, jornalista e advogado Luis da Câmara Cascudo  (1898 – 1986), assim definiu o cantador: “Representante legítimo de todos os bardos, menestréis, glee-men, trouvèeres, meinstersangers, minnesingers...”

O romancista, cronista, folclorista e professor Gustavo Barroso (1888 – 1959), falando sobre a poesia popular, afirmou: “A poesia popular é sempre obra de indivíduos cultos ou semicultos, que desce ao povo, se batiza nas águas lustrais de seu oralismo e se espalha pelo mundo como pólen fecundante”.

Euclides da Cunha, no seu monumental “Os Sertões”, comenta um desafio a que assistiu no interior da Bahia, registrando a imortal Quadra de um dos porfiadores (desafiantes):

“Nas horas de Deus, amém,
Não é zombaria, não
Desafio o mundo inteiro
Pra cantar nesta função!”

Manuel Bandeira, um dos nomes mais importantes de nossas letras, confessou-se humilde, diante de um Cantador, conforme registro que se fez em seu livro “Estrela da Tarde” (1960 – Ed. Global), no poema Cantadores do Nordeste, também musicado por Djavan, em seu disco de 1992 (Coisas de Acender):
Anteontem, minha gente,
Fui juiz numa função
De violeiros do Nordeste.
Cantando em competição,
Vi cantar Dimas Batista
E Otacílio, seu irmão.
Ouvi um tal de Ferreira,
Ouvi um tal de João.
Um, a quem faltava o braço,
Tocava cuma só mão;
Mas, como ele mesmo disse
Cantando com perfeição,
Para cantar afinado,
Para cantar com paixão,
A força não está no braço:
Ela está no coração.
Ou puxando uma sextilha
Ou uma oitava em quadrão,
Quer a rima fosse em inha,
Quer a rima fosse em ão
Caíam rimas do céu,
Saltavam rimas do chão!
Tudo muito bem medido
No galope do sertão.
A Eneida estava boba;
O Cavalcanti, bobão,
O Lúcio, o Renato Almeida;
Enfim, toda a Comissão.
Saí dali convencido
Que não sou poeta não;
Que poeta é quem inventa
Em boa improvisação,
Como faz Dimas Batista
E Otacílio, seu irmão;
Como faz qualquer violeiro
Bom cantador do sertão,
A todos os quais, humilde,
Mando a minha saudação.

Seja através de cantigas, cantorias ou  declamações o poeta sempre se fez ouvir por seu povo.
Na viagem pelo tempo, encontrou como terreno mais fértil no que diz respeito a inspiração, o nordeste brasileiro.
Artistas populares autênticos, os violeiros repentistas sempre foram admirados por grandes nomes de nossa literatura, grandes personalidades e chefes de Estado, reconhecendo nestes, o verdadeiro dom da poesia no seu estado mais dinâmico.

Texto: Samuel Quintans
Referencial bibliográfico: Antologia Ilustrada dos Cantadores
De Francisco Linhares e Otacilio Batista
2a edição - 1982 - Ediçoes UFC - Fortaleza (CE)